Novo zoneamento vai mudar os térreos dos prédios, mas resolverá esvaziamento de comércios?

Revisão da lei permite mais vagas de estacionamento e flexibiliza perfil dos edifícios com comércio no térreo; esvaziamento de fachadas ativas chama a atenção
Revisão da lei permite mais vagas de estacionamento e flexibiliza perfil dos edifícios com comércio no térreo; esvaziamento de fachadas ativas chama a atenção.
Novo zoneamento vai mudar os térreos dos prédios, mas resolverá esvaziamento de comércios?

Matéria publicada originalmente por Priscila Mengue, O Estado de S. Paulo – Você já notou como estão sendo configurados os térreos dos novos edifícios em São Paulo, especialmente nas áreas próximas às estações de metrô e corredores de ônibus? É comum perceber um padrão: uma entrada para os moradores e o restante ocupado por vitrines envidraçadas de estabelecimentos comerciais, acessíveis diretamente da calçada e sem barreiras. Isso representa condomínios com a tão discutida “fachada ativa”.

Com incentivos voltados ao mercado imobiliário, os espaços nos térreos voltaram a ser planejados em massa na cidade, algo que não ocorria há décadas. Essa mudança foi impulsionada pelo Plano Diretor de 2014 e pelo Zoneamento de 2016, visando reduzir a construção contínua de condomínios fechados, aumentar a movimentação nas calçadas e promover a oferta de comércio local, diminuindo a necessidade de deslocamentos longos.

Porém, devido a questões econômicas e ao tempo necessário para que um projeto imobiliário seja concluído, os resultados desses incentivos começaram a se tornar visíveis apenas recentemente. A pergunta que fica é: funcionou? Em parte.

Com os incentivos, esse novo padrão tem se espalhado em detrimento dos prédios cercados por muros. No entanto, uma grande parte das fachadas ativas permanece sem ocupação após a entrega do prédio. No meio, há discussões sobre se esses espaços não estão adaptados às necessidades do mercado, entre outros motivos. Esse cenário se repete até nas áreas próximas às estações com mais lançamentos de apartamentos, como no Butantã, zona oeste, onde várias lojas novas foram identificadas com placas de venda e aluguel.

Esse cenário de “fachadas ativas inativas” foi um dos temas mais discutidos durante a revisão do Plano Diretor e do Zoneamento no ano passado, e voltou a ganhar destaque com o fechamento de comércios locais conhecidos. Entre os exemplos mais recentes estão a Cristallo da Rua Oscar Freire e a Mercearia São Pedro, demolidas neste ano para dar lugar a prédios altos. Parte dos especialistas acredita que não está havendo uma migração natural desses pequenos negócios para os espaços nos térreos dos edifícios, o que está gerando um esvaziamento.

Esse cenário de esvaziamento parcial não foi totalmente inesperado. Em 2015, um estudo encomendado pelo Secovi-SP e a Associação Comercial de São Paulo avaliou as limitações na viabilidade mercadológica das fachadas ativas. O levantamento apontou que parte dessas fachadas não seriam sustentáveis pela demanda, mesmo com o aumento de apartamentos ao redor.

Elaborado pela consultoria Urban Systems, o levantamento apontava que parte das fachadas ativas não seriam sustentadas pela demanda, mesmo com o aumento de apartamentos no entorno. “Dessa forma, irão gerar rotatividade e alta vacância das áreas comerciais nas fachadas ativas, podendo criar ambientes urbanos degradados. Podem inverter a lógica de cidade compacta, necessitando atrair público de fora do raio de influência considerado e gerando a necessidade de implantação de estacionamento”, concluiu.

Prédios com fachada ativa podem ter mais área construída, dentre outros benefícios atraentes ao mercado. Por isso, o estudo de 2015 apontou que “empreendedores serão induzidos a aproveitar o incentivo máximo da lei independentemente da existência ou não de demanda para áreas comerciais na fachada ativa, uma vez que essa implantação representa baixo impacto em relação ao custo total da obra e pode gerar mais receita”.

Diante dessa situação, as revisões do Plano Diretor e do Zoneamento no ano passado fizeram alterações nos estímulos para as fachadas ativas. Parte delas atendeu a demandas apresentadas por associações dos setores do comércio e das incorporadoras.

Relator das revisões, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) chama as mudanças de “atualizações”. Ele destaca, principalmente, as que reduziram exigências para ter acesso ao incentivo e facilitaram espaços para carro. Dessa forma, os novos projetos estimulados podem ter mais vagas de estacionamento na frente da loja e comércio apenas em uma das frentes, desde que dentro de determinados padrões.

“Pouquíssimos conseguem funcionar sem ter vaga”, justifica o vereador. Ele também cita casos de prédios que tinham uma das fachadas voltadas a ruas sem saída. “Com certeza, não vai ter comércio. Primeiro, porque as pessoas nem vão saber como chegar”, aponta. “Foram adaptações pela necessidade”, justifica. Além disso, na nova lei do Plano Diretor, há incentivos municipais extras caso as fachadas ativas sejam combinadas com praças privadas de uso público.

Outra alteração foi incluída pela Prefeitura, com o novo entendimento de que a fachada ativa não precisa estar totalmente na altura da via pública. Dessa forma, até um terço da área construída da fachada ativa “pode estar localizada em diferentes níveis da edificação (como no subsolo, por exemplo), desde que seja garantido acesso por logradouro público em todos os níveis”, diz a nova lei.

O que dizem o mercado e pesquisadores?
Ricardo Palmaka, CEO da Lidra, empresa especializada em soluções para fachada ativa

Seriam essas alterações suficientes? Representantes do setor falam que o momento atual é de transição. Já especialistas salientam a dificuldade de conectar as demandas do varejo com o perfil de espaços produzidos no térreo, assim como questionam se o cenário tem sido positivo para a cidade.

“Tem muita fachada em ponto bom, em Pinheiros, nos Jardins, na Vila Mariana, que está vazia ou mal ocupada”, comenta Ricardo Palmaka, CEO da Lidra, empresa especializada em soluções para fachada ativa. “Às vezes, até é bonita, mas bonita para quem? Todo mundo quer ter uma cafeteria relevante, só que não tem como ter tantas cafeterias.”

O consultor atua na adaptação de projetos para atender às demandas do varejo, especialmente de redes, o que inclui até alterações em térreos prontos sem uso. Segundo ele, a situação ficou mais evidente por volta de 2020, com maior volume de prédios com esse perfil prontos. “O pessoal viu que o que se fez não casou. Por isso, a gente acabou sendo bastante procurado.”

Palmaka aponta que diferentes comércios precisam de estruturas variadas e boa visibilidade. Para restaurantes, cafés e afins, por exemplo, é preciso ter uma infraestrutura de exaustão. Outro ponto são as limitações em ter um negócio no térreo de um condomínio predominantemente residencial, a fim de evitar conflito com moradores, como barulho e funcionamento até tarde.

Vice-presidente e coordenador geral do Conselho de Política Urbana da ACSP, Antônio Carlos Pela conta que a instituição contratou uma pesquisa para verificar a vacância e se ocorreu a expulsão ou não de comércios locais na cidade. Além disso, durante a revisão do Plano Diretor, a associação chegou a sugerir a criação de uma cota para micro e pequenos varejistas nas fachadas ativas.

Ele observa que pequenos comerciantes estão saindo de alguns locais, mas avalia que o momento é de transição. “Se o edifício é novo, mais moderno, o custo tende a ser mais elevado. É natural”, diz.

Originalmente, contudo, as fachadas ativas em São Paulo não foram pensadas pelo poder público para atrair fluxo de pessoas de carro, mas de pessoas que moram, trabalham ou frequentam o entorno. Isto é, que estão a pé, de bicicleta ou de transporte coletivo, por exemplo.

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