Por que é importante e ao mesmo tempo tão difícil enterrar os cabos elétricos de São Paulo; são só 0,3% em uma rede de 20 mil km

A cidade de São de São Paulo tem cerca de 20 mil km de cabos elétricos aéreos. Menos de 0,3% da rede está totalmente subterrânea.

Rodrigo Rodrigues, Cíntia Acayaba, g1 – A atual crise de energia gerada pelas fortes chuvas ocorridas na última sexta-feira (3) na cidade de São Paulo deixou vários consumidores sem luz há, ao menos, quatro dias. A situação abriu o debate sobre os motivos de ser tão difícil o enterramento de fios em uma cidade como a capital paulista.

Atualmente, a cidade de SP tem cerca de 20 mil km de fios aéreos, segundo a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecom Competitivas (TelComp). Menos de 0,3% da rede está totalmente subterrânea.

Em 2017, o ex-prefeito João Doria prometeu enterrar 52 km de fios em 117 vias do Centro de São Paulo. A meta era concluir a obra até julho de 2018.

Porém, passados cinco anos da data prometida o programa “Cidade Linda Redes Aéreas” mudou de nome na gestão Ricardo Nunes (MDB). A meta subiu para 65 km de fios aterrados, mas nenhum dos objetivos foi alcançado, segundo a prefeitura e a TelComp.

g1 conversou com Luiz Henrique Barbosa, presidente da TelComp. A entidade faz parte do pool de empresas que, junto com a Enel e Coordenadoria de Gestão da Rede Municipal de Iluminação Pública da Prefeitura (Ilume), é responsável pela execução do novo programa “SP sem fios”.

Segundo o executivo, apenas 37 km dos quase 65 km foram totalmente concluídos, e outros 6 km estão em fase final de aterramento, totalizando 43 km.

Enquanto isso, a prefeitura diz que 38 km foram enterrados, o que representa 62% do andamento da obra. Já a Enel afirma que concluiu 100% da meta prevista no projeto.

Benefícios da rede subterrânea

Mesmo com os problemas para a execução da obra, especialistas ouvidos pelo g1 e pela TV Globo afirmam que a conversão da rede elétrica para subterrânea traria uma série de benefícios e evitaria quedas constantes de energia.

Nas últimas décadas, São Paulo chegou a traçar um plano para enterrar 250 km de fios elétricos por ano. No entanto, programas elaborados por diferentes gestões foram questionados por empresas, inclusive na Justiça.

O quão caro seria aterrar a fiação de SP

Nos cálculos da TelComp, soterrar os 20 mil km de fiação elétrica em São Paulo teria um custo de R$ 81 bilhões. Só os quase 65 km já orçados atualmente do programa “SP sem fios” já custaram R$ 316 milhões, segundo a empresa.

“Não pode demonizar o poste sempre que uma crise dessa aparece. A gente vai conviver com o poste hoje, amanhã e daqui a 100 anos, porque ele é a infraestrutura mais barata para levar telecomunicações e energia para os mais diversos locais”, explica.

Em entrevista coletiva na noite desta segunda-feira (6), o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, falou sobre a possível criação de taxa, a ser paga pelos munícipes e a prefeitura, para aterrar rede elétrica na cidade de São Paulo.

“A taxa, pela regulação, uma possibilidade de fazer a cobrança de um a taxa de serviço, taxa de melhoria, contribuição de melhoria, a gente tem conversado com a Enel desde o ano passado estamos tratando disso”, disse.

Problemas no trânsito

Segundo a TelComp, atualmente as obras de soterramento de fios na cidade andam de forma lenta porque a execução dos serviços só pode ser feita das 20h às 4h da manhã.

Soterrar muitos quilômetros de fios de uma só vez, como indicou a gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), em 2006, implicaria em sérios problemas de mobilidade para a capital paulista, segundo o executivo.

À época a gestão Kassab sugeriu fazer obras para transformar 250 km da rede elétrica em fios subterrâneos, por ano, na cidade.

“O soterramento dos fios é uma obra noturna e requer licenças muito específicas da prefeitura. Se fecharmos a Alameda Santos, por exemplo, 24 horas por dia, em três meses eu consigo enterrar os fios. Mas não é essa a realidade”, afirma Barbosa.

Outro problema apontado pelo executivo é o barulho que as obras causam. Como a execução é feita prioritariamente durante a noite e a madrugada, muitos moradores reclamam.

O executivo também contou que as empresas encontram dificuldades na falta de mapeamento fidedigno das áreas subterrâneas da cidade, além dos achados históricos das escavações em determinadas áreas.

“São Paulo cresceu de uma forma muito desordenada, e o subterrâneo não foi organizado em muitas regiões. Então, você encontra muita coisa no subterrâneo que não estava prevista. É uma galeria que está numa distância diferente dos mapas da prefeitura, uma rede de gás… Tem obras que são paralisadas porque ali o Iphan [Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional] identificou uma área de sítio arqueológico”, afirmou.

Uso do poste por vários tipos de serviços na cidade

As empresas pagam atualmente à Enel para terem direito ao uso dos cerca de 750 mil postes da cidade. Os postes comportam até seis pontos de empresas diferentes e o valor médio do aluguel é cerca R$ 5,29 por ponto/mês, segundo a TelComp.

Outra dificuldade encontrada pelas empresas para suprimir os postes de energia e iluminação, é o uso deles para diversos serviços, como trólebus e sinalização de trânsito.

Luiz Henrique Barbosa conta que, recentemente, o pool de empresas do “SP sem fios” terminou as obras de soterramento do entorno do Museu do Ipiranga, mas parte dos postes não puderam ser suprimidos porque ainda sustentavam a rede de trólebus que serve o bairro.

“A obra de enterramento é muito complexa justamente porque o poste não é usado apenas para distribuição de energia e telecom. É usado para iluminação pública e até para sinalização de rua pela CET”, disse.

Segundo a prefeitura, o “SP sem fios” prevê que 3.014 postes sejam removidos até 2024. Destes, 746 já foram retirados. A gestão municipal afirmou que a remoção cabe à Enel.

Por sua vez, a concessionária disse que aguarda que empresas de telecomunicações e a prefeitura façam a remoção de suas redes, como as fiações de semáforo, para a remoção dos postes.

Benefícios para a cidade

A conversão da rede aérea em subterrânea evita que temporais e queda de árvores suspendam o fornecimento de energia.

Para o botânico e paisagista Ricardo Cardim, a fiação elétrica é uma das grandes vilãs das árvores da cidade. “A fiação elétrica aérea leva a mutilação de grande parte da floresta urbana em São Paulo”, afirma Cardim.

Além disso, a medida torna mais segura a vida dos munícipes, ao evitar acidentes como fios soltos, pipas e outros objetos enganchados, segundo especialistas ouvidos pelo SP1, da TV Globo.

Em 2018, por exemplo um folião morreu ao ser eletrecutado durante o Caranaval de SP após encostar em um poste. Laudo do Instituto de Criminalística (IC) apontou como causas “uma falha no isolamento de componentes elétricos” e um fio desencapado de uma câmara de segurança.

Também haveria melhoria nas condições das calçadas, com menos postes, e uma poluição visual muito menor.

Não é só por estética

Desde 2005, a capital conta com uma lei que obriga o aterramento dos fios, mas a norma foi contestada na Justiça pelo sindicato das empresas de energia.

O sindicato alega que empresas como a Enel e a CPFL não são obrigadas a cumprir determinações municipais nas cidades de concessão. Essas empresas obedecem uma regulamentação específica da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Por outro lado, qualquer chuva mais forte pode deixar os moradores dias sem luz. Isso resulta em prejuízos financeiros, patrimoniais e até emocionais.

“É uma situação que tem de ser atacada gradualmente, não tem outra solução, não há solução. É você ir enterrando os fios gradualmente numa velocidade maior e, principalmente, atendendo a regiões áreas mais importantes”, afirmou o engenheiro Ivan Maglio, pesquisador do Laboratório de Áreas Verdes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

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